CARL ROGERS: UMA CONCEPÇÃO HOLÍSTICA DO HOMEM
Da terapia centrada no cliente à pedagogia centrada no aluno
MARIA DE JESUS MARTINS DA FONSECA*
Prólogo
Carl Ransom Rogers (1902-1987) foi um famoso psicólogo clínico e psicoterapeuta norteamericano que exerceu a sua actividade, quer docente, quer profissional, nessas mesmas áreas e ainda na área do aconselhamento. A notoriedade e reputação, bem como o reconhecimento académico e público de que gozou, sobretudo a partir da década de 40, nos Estados Unidos, e que o tornaram conhecido, prendem-se com a nova abordagem que introduziu e aplicou no campo da psicoterapia e a que chamou Terapia Centrada no Cliente – Client Centered Therapy – ou Abordagem Centrada na Pessoa, e explicam que alguns autores o tenham considerado ‘o mais influente psicólogo e psicoterapeuta da história americana’.
Por causa desta nova abordagem, que o próprio opõe às abordagens convencionais dominantes à época, por um lado, o determinismo behaviorista e o ‘comportamentalismo’ em geral, e, por outro, a psicanálise, a sua influência na psicologia e na psicoterapia em geral, e não apenas norte-americana, é, pois, inegável.
A sua eleição como Presidente da American Psychological Association – APA -em 1946, e como Presidente da American Academy of Psychotherapists – AAP – em 1956, e ainda o prémio de “Distinguished Scientific Contribution Award” que lhe foi atribuído pela APA, em 1956, são bem a prova não apenas da sua incontornável importância na psicologia americana, em particular, mas também no campo da psicologia em geral.
De facto, esta nova abordagem, apresentando uma visão holística, ecológica, organísmica e sistémica da pessoa, fez dele o principal impulsionador e o maior responsável pelo desenvolvimento da Psicologia Humanista, também chamada Terceira Força em Psicologia, bem como o mais importante teórico no campo das teorias humanísticas da personalidade.
A importância de Rogers e a sua marca vêem-se ainda na luta que desenvolveu contra o monopólio, então existente na América, do exercício da actividade psicoterapêutica exclusivamente por médicos e médicos psiquiatras. Essa luta não só muito contribuiu para a autonomização do exercício da actividade profissional de psicólogo clínico e de psicoterapeuta, como veio a resultar na autonomia da profissão.
Ainda hoje, a actualidade de Rogers e da sua ‘nova abordagem’, quer pela influência, quer pela importância que continua a exercer nos nossos dias, está bem patente nos inúmeros web sites que, sobre ele e as suas ideias, se encontram na internet, bem como nas inúmeras associações e outras organizações similares que partilham os seus princípios e o seu legado, e ainda nas publicações, jornais e revistas, também estas disponíveis on-line, que continuam a desenvolver as temáticas rogerianas, como se pretende ilustrar na bibliografia.
O cerne desta nova abordagem terapêutica e pessoal, que rompe definitivamente com os métodos e técnicas usados pelo behaviorismo, condicionamento, controlo e manipulação, considerando o homem um ser mecânico, e com os métodos da psicanálise, sejam a análise do passado, a interpretação ou a sugestão, valoriza a pessoa por si mesma e as atitudes de compreensão, empatia, aceitação, confiança, congruência… Rogers fundamenta esta sua ‘nova abordagem’ nas filosofias existencialista e personalista, então muito em voga.
Ao desenvolver a sua psicoterapia e a sua “Terapia Centrada no Cliente”, vão aparecendo outros termos similares, como “aconselhamento” e “orientação não directiva em terapia”, respectivamente, que aparecem como termos equivalentes, tornando cada vez mais difícil a sua distinção. Por outro lado, no desenvolvimento da sua abordagem à pessoa, os princípios e as atitudes valorizadas no modelo psicoterapêutico que defende e teoriza, vão-se alargando de tal modo que estende a sua aplicação a muitos outros domínios das Ciências Sociais e a campos tão diversos como os da educação, das relações interpessoais, das relações familiares, inclusive das relações conjugais, da comunicação interpessoal, da gestão de recursos humanos, da gestão de empresas, da resolução e mediação de conflitos, pessoais, interpessoais e mesmo sociais, e até mesmo políticos e raciais. Enfim, a “terapia centrada no cliente”, ou “orientação não directiva”, ou “abordagem centrada na pessoa” pode aplicar-se também no trabalho de grupos de encontro, aos quais dedica especial atenção a partir da década de 70. Ao publicar, em 1980, “A way of being”, como “uma maneira de ser” e uma filosofia de vida, com implicações e aplicações em todos os domínios do humano, apresentando a abordagem centrada na pessoa como modelo de abordagemeficaz em todas as relações humanas, como bem refere João Hipólito, pois, a convicção profunda de Rogers, repetindo Terêncio, é a de que “nada do que é humano me é alheio”, porque, afinal, sou homem.
Central é, pois, em Rogers, a sua concepção de homem, concepção que, desde cedo, foi intuindo e, posteriormente, elaborando e construindo, e que manteve até ao fim. É essa concepção de homem que constitui, não só o ponto nevrálgico, mas também o esqueleto que suporta todo o edifício conceptual e vivencial que construiu. Efectivamente, a sua concepção de homem começa por formar-se a partir das suas experiências e das suas vivências pessoais, passando depois ao nível da reflexão e da teorização. E é essa concepção que o leva, primeiro, a formular o conceito de “Terapia Centrada no Cliente”, mais tarde modificado para “Terapia Centrada na Pessoa”, bem como é essa concepção de homem que constitui a base em que assenta a prática da Terapia Centrada no Cliente na relação psicoterapêutica.
É porque o homem é sempre fundamentalmente o mesmo, na profundidade do seu ser-homem, que é possível propagar o modelo psicoterapêutico da Terapia Centrada no Cliente e aplicá-lo a todos os campos da actividade humana. Assim, é a sua concepção de homem como Pessoa que constitui a raiz comum onde se funda a possibilidade de alargar e aplicar a todos os campos e domínios do humano o modelo inicialmente aplicado apenas no campo da psicoterapia. Pode, por isso, facilmente passar de uma Abordagem Centrada no Cliente a uma Abordagem Centrada na Pessoa, porque o homem é Pessoa e é a pessoa que o homem é que é sempre e fundamentalmente a mesma. As obras On becoming a Person, publicada em 1961, e On Personal Power, publicada em 1977, são bem o exemplo disso.
Ora, ser Homem-Pessoa é ser o que realmente se é, é aceitar-se e aceitar a sua própria experiência, é compreender-se a si e aos outros, é ser congruente e é crescer, desenvolvendo, aperfeiçoando, actualizando e realizando o que seminalmente, afinal, já somos, mas de modo a que nos tornemos e venhamos a ser na realidade aquilo que efectivamente somos. Estes princípios são, como bem se percebe, facilmente extensíveis a todo e qualquer campo onde o homem intervenha, a todo e qualquer campo onde o homem desenvolva a sua humana actividade, e, infiltrando-se em todos esses diversos e variados campos, aí podem e devem ser aplicados1. Um dos campos em que o próprio Rogers aplicou esses princípios foi o da educação, propondo uma Pedagogia Centrada no Aluno, que também chamou de Pedagogia Experiencial, e que, entre nós, onde a influência de Rogers se fez sentir mais agudamente a partir da década de 80, ficou mais conhecida sob o nome de Pedagogia Não-Directiva. A escolha desta tradução e a consequente designação que foi adoptada e difundida – pedagogia não-directiva – não correu, infelizmente, sem mal-entendidos e sem controvérsias no nosso país, tendo gerado conflitos interpretativos e críticas, algumas das quais só explicadas pela diversidade de entendimentos e pela má e ambígua compreensão da expressão. Mas, em abono da verdade, sempre se diga que, entre todos os conceitos utilizados por Rogers, o conceito de “não-directividade” foi aquele que maior dificuldade teve em ser clara e adequadamente compreendido, sendo, em consonância, o que maior controvérsia gerou.
As implicações, para o campo educativo, das concepções e princípios acima assinalados, começam por ser desenvolvidos por Rogers em On Becoming a Person (1961), mas é em Freedom to Learn: A view of what education might become e em Freedom to Learn for the 80’, publicadas em 1969 e em 1983, respectivamente, que mais desenvolve a sua proposta pedagógica. O essencial da pedagogia rogeriana reside no facto de considerar que os alunos aprendem melhor, são mais assíduos, interessados, motivados e participativos, são mais criativos e capazes de resolver problemas, se os professores lhes proporcionarem um clima humano, quer sob o ponto de vista relacional, quer afectivo, e um ambiente de confiança, facilitador da aprendizagem. Partindo do princípio que o aluno é que sabe o que precisa e que é ele quem sabe a direcção que deve tomar, ao professor cabe-lhe a orientação eficaz do aluno no seu processo de aprendizagem e desenvolvimento, deixando que ele realize as suas potencialidades, em processo de crescimento e auto-realização pessoal.
Posto isto, adverte-se desde já o leitor que, contudo, o nosso principal propósito neste trabalho é, tão só, por um lado, destacar a concepção de Homem subjacente ao pensamento de Carl ROGERS e, por outro, salientar a sua proposta pedagógica.
Para destacar a concepção de homem em Rogers é necessário confrontar o seu pensamento com correntes ou autores que parecem tê-lo influenciado. De facto, Rogers é um autor onde palpitam diversas e heterogéneas influências: v. g., a psicanálise, o vitalismo, o existencialismo, um autor em que vivem e coexistem ainda tendências tais como o inatismo, um certo irracionalismo, o personalismo, um autor que retoma outros autores: Sócrates, Rousseau, Bergson, Kierkegaard.
Seria, pois, possível fazer uma destas coisas: ou analisar essas correntes e verificar de que modo elas estão presentes em Rogers, ou, proceder exactamente ao contrário, a saber, centrando-nos em Rogers, no que ele diz, no que ele pensa, ouvi-lo falar a ele – atitude esta que é, aliás, extremamente rogeriana –, e, a partir daí, referenciar o tipo de influência.
Foi esta segunda alternativa a que preferimos. E por várias razões: a primeira, aliás já indicada, é que esta atitude coincide com a própria atitude de Rogers. Quando se quer compreender alguém há que ouvi-lo falar ele próprio, escutá-lo, aceitando-o na originalidade e especificidade da sua pessoa, ou, dito de outro modo e para usar a própria terminologia rogeriana, ter em relação a ele “uma consideração positiva incondicional.” Segundo, porque é de Rogers que tratamos e, assim sendo, é nele que devemos centrar-nos. Em terceiro lugar porque este caminho nos permite esboçar e traçar as grandes linhas mestras, os conceitos chave, do pensamento rogeriano, indicando imediatamente a sua proveniência, de modo a que seja possível delinearmos uma visão geral do pensamento de Rogers, que, de outro modo, se perderia ou, pelo menos, ficaria diluída ou em segundo plano.
Acrescentamos que praticamente nos vamos limitar a referenciar apenas as influências que parecem estar presentes, não sendo nossa intenção desenvolvê-las, até porque se trata de correntes ou autores actuais e sobejamente conhecidos.
Por outro lado, se há influências no pensamento de Rogers elas são diversas e Rogers faz delas uma síntese pessoal e original. Assim, torna-se muitas vezes difícil destrinçar, ao analisar qualquer aspecto do pensamento de Rogers, qual o tipo de influência que lhe subjaz, se um tipo particular e específico de influência, ou se, pelo contrário, são diversos os tipos de influência que, ao mesmo tempo, estão presentes.
Não será, pois, de estranhar que tenhamos privilegiado ouvir as próprias palavras de Rogers, como também não serão de estranhar algumas repetições, não só porque esse é também o próprio estilo de Rogers, mas ainda porque, caso contrário, o discurso correríamos o risco de o discurso se tornar, por vezes, ininteligível.
Referência Bibliográfica:
Fonseca, M. J. M. (s.d.). Carl Rogers: uma concepção holística do homem.Da terapia centrada no cliente à pedagogia centrada no aluno.[Consulta: 30 Abr. 2011]. Politécnico de Viseu. URL: http://www.ipv.pt/millenium/Millenium36/4.pdf
Da terapia centrada no cliente à pedagogia centrada no aluno
MARIA DE JESUS MARTINS DA FONSECA*
Prólogo
Carl Ransom Rogers (1902-1987) foi um famoso psicólogo clínico e psicoterapeuta norteamericano que exerceu a sua actividade, quer docente, quer profissional, nessas mesmas áreas e ainda na área do aconselhamento. A notoriedade e reputação, bem como o reconhecimento académico e público de que gozou, sobretudo a partir da década de 40, nos Estados Unidos, e que o tornaram conhecido, prendem-se com a nova abordagem que introduziu e aplicou no campo da psicoterapia e a que chamou Terapia Centrada no Cliente – Client Centered Therapy – ou Abordagem Centrada na Pessoa, e explicam que alguns autores o tenham considerado ‘o mais influente psicólogo e psicoterapeuta da história americana’.
Por causa desta nova abordagem, que o próprio opõe às abordagens convencionais dominantes à época, por um lado, o determinismo behaviorista e o ‘comportamentalismo’ em geral, e, por outro, a psicanálise, a sua influência na psicologia e na psicoterapia em geral, e não apenas norte-americana, é, pois, inegável.
A sua eleição como Presidente da American Psychological Association – APA -em 1946, e como Presidente da American Academy of Psychotherapists – AAP – em 1956, e ainda o prémio de “Distinguished Scientific Contribution Award” que lhe foi atribuído pela APA, em 1956, são bem a prova não apenas da sua incontornável importância na psicologia americana, em particular, mas também no campo da psicologia em geral.
De facto, esta nova abordagem, apresentando uma visão holística, ecológica, organísmica e sistémica da pessoa, fez dele o principal impulsionador e o maior responsável pelo desenvolvimento da Psicologia Humanista, também chamada Terceira Força em Psicologia, bem como o mais importante teórico no campo das teorias humanísticas da personalidade.
A importância de Rogers e a sua marca vêem-se ainda na luta que desenvolveu contra o monopólio, então existente na América, do exercício da actividade psicoterapêutica exclusivamente por médicos e médicos psiquiatras. Essa luta não só muito contribuiu para a autonomização do exercício da actividade profissional de psicólogo clínico e de psicoterapeuta, como veio a resultar na autonomia da profissão.
Ainda hoje, a actualidade de Rogers e da sua ‘nova abordagem’, quer pela influência, quer pela importância que continua a exercer nos nossos dias, está bem patente nos inúmeros web sites que, sobre ele e as suas ideias, se encontram na internet, bem como nas inúmeras associações e outras organizações similares que partilham os seus princípios e o seu legado, e ainda nas publicações, jornais e revistas, também estas disponíveis on-line, que continuam a desenvolver as temáticas rogerianas, como se pretende ilustrar na bibliografia.
O cerne desta nova abordagem terapêutica e pessoal, que rompe definitivamente com os métodos e técnicas usados pelo behaviorismo, condicionamento, controlo e manipulação, considerando o homem um ser mecânico, e com os métodos da psicanálise, sejam a análise do passado, a interpretação ou a sugestão, valoriza a pessoa por si mesma e as atitudes de compreensão, empatia, aceitação, confiança, congruência… Rogers fundamenta esta sua ‘nova abordagem’ nas filosofias existencialista e personalista, então muito em voga.
Ao desenvolver a sua psicoterapia e a sua “Terapia Centrada no Cliente”, vão aparecendo outros termos similares, como “aconselhamento” e “orientação não directiva em terapia”, respectivamente, que aparecem como termos equivalentes, tornando cada vez mais difícil a sua distinção. Por outro lado, no desenvolvimento da sua abordagem à pessoa, os princípios e as atitudes valorizadas no modelo psicoterapêutico que defende e teoriza, vão-se alargando de tal modo que estende a sua aplicação a muitos outros domínios das Ciências Sociais e a campos tão diversos como os da educação, das relações interpessoais, das relações familiares, inclusive das relações conjugais, da comunicação interpessoal, da gestão de recursos humanos, da gestão de empresas, da resolução e mediação de conflitos, pessoais, interpessoais e mesmo sociais, e até mesmo políticos e raciais. Enfim, a “terapia centrada no cliente”, ou “orientação não directiva”, ou “abordagem centrada na pessoa” pode aplicar-se também no trabalho de grupos de encontro, aos quais dedica especial atenção a partir da década de 70. Ao publicar, em 1980, “A way of being”, como “uma maneira de ser” e uma filosofia de vida, com implicações e aplicações em todos os domínios do humano, apresentando a abordagem centrada na pessoa como modelo de abordagemeficaz em todas as relações humanas, como bem refere João Hipólito, pois, a convicção profunda de Rogers, repetindo Terêncio, é a de que “nada do que é humano me é alheio”, porque, afinal, sou homem.
Central é, pois, em Rogers, a sua concepção de homem, concepção que, desde cedo, foi intuindo e, posteriormente, elaborando e construindo, e que manteve até ao fim. É essa concepção de homem que constitui, não só o ponto nevrálgico, mas também o esqueleto que suporta todo o edifício conceptual e vivencial que construiu. Efectivamente, a sua concepção de homem começa por formar-se a partir das suas experiências e das suas vivências pessoais, passando depois ao nível da reflexão e da teorização. E é essa concepção que o leva, primeiro, a formular o conceito de “Terapia Centrada no Cliente”, mais tarde modificado para “Terapia Centrada na Pessoa”, bem como é essa concepção de homem que constitui a base em que assenta a prática da Terapia Centrada no Cliente na relação psicoterapêutica.
É porque o homem é sempre fundamentalmente o mesmo, na profundidade do seu ser-homem, que é possível propagar o modelo psicoterapêutico da Terapia Centrada no Cliente e aplicá-lo a todos os campos da actividade humana. Assim, é a sua concepção de homem como Pessoa que constitui a raiz comum onde se funda a possibilidade de alargar e aplicar a todos os campos e domínios do humano o modelo inicialmente aplicado apenas no campo da psicoterapia. Pode, por isso, facilmente passar de uma Abordagem Centrada no Cliente a uma Abordagem Centrada na Pessoa, porque o homem é Pessoa e é a pessoa que o homem é que é sempre e fundamentalmente a mesma. As obras On becoming a Person, publicada em 1961, e On Personal Power, publicada em 1977, são bem o exemplo disso.
Ora, ser Homem-Pessoa é ser o que realmente se é, é aceitar-se e aceitar a sua própria experiência, é compreender-se a si e aos outros, é ser congruente e é crescer, desenvolvendo, aperfeiçoando, actualizando e realizando o que seminalmente, afinal, já somos, mas de modo a que nos tornemos e venhamos a ser na realidade aquilo que efectivamente somos. Estes princípios são, como bem se percebe, facilmente extensíveis a todo e qualquer campo onde o homem intervenha, a todo e qualquer campo onde o homem desenvolva a sua humana actividade, e, infiltrando-se em todos esses diversos e variados campos, aí podem e devem ser aplicados1. Um dos campos em que o próprio Rogers aplicou esses princípios foi o da educação, propondo uma Pedagogia Centrada no Aluno, que também chamou de Pedagogia Experiencial, e que, entre nós, onde a influência de Rogers se fez sentir mais agudamente a partir da década de 80, ficou mais conhecida sob o nome de Pedagogia Não-Directiva. A escolha desta tradução e a consequente designação que foi adoptada e difundida – pedagogia não-directiva – não correu, infelizmente, sem mal-entendidos e sem controvérsias no nosso país, tendo gerado conflitos interpretativos e críticas, algumas das quais só explicadas pela diversidade de entendimentos e pela má e ambígua compreensão da expressão. Mas, em abono da verdade, sempre se diga que, entre todos os conceitos utilizados por Rogers, o conceito de “não-directividade” foi aquele que maior dificuldade teve em ser clara e adequadamente compreendido, sendo, em consonância, o que maior controvérsia gerou.
As implicações, para o campo educativo, das concepções e princípios acima assinalados, começam por ser desenvolvidos por Rogers em On Becoming a Person (1961), mas é em Freedom to Learn: A view of what education might become e em Freedom to Learn for the 80’, publicadas em 1969 e em 1983, respectivamente, que mais desenvolve a sua proposta pedagógica. O essencial da pedagogia rogeriana reside no facto de considerar que os alunos aprendem melhor, são mais assíduos, interessados, motivados e participativos, são mais criativos e capazes de resolver problemas, se os professores lhes proporcionarem um clima humano, quer sob o ponto de vista relacional, quer afectivo, e um ambiente de confiança, facilitador da aprendizagem. Partindo do princípio que o aluno é que sabe o que precisa e que é ele quem sabe a direcção que deve tomar, ao professor cabe-lhe a orientação eficaz do aluno no seu processo de aprendizagem e desenvolvimento, deixando que ele realize as suas potencialidades, em processo de crescimento e auto-realização pessoal.
Posto isto, adverte-se desde já o leitor que, contudo, o nosso principal propósito neste trabalho é, tão só, por um lado, destacar a concepção de Homem subjacente ao pensamento de Carl ROGERS e, por outro, salientar a sua proposta pedagógica.
Para destacar a concepção de homem em Rogers é necessário confrontar o seu pensamento com correntes ou autores que parecem tê-lo influenciado. De facto, Rogers é um autor onde palpitam diversas e heterogéneas influências: v. g., a psicanálise, o vitalismo, o existencialismo, um autor em que vivem e coexistem ainda tendências tais como o inatismo, um certo irracionalismo, o personalismo, um autor que retoma outros autores: Sócrates, Rousseau, Bergson, Kierkegaard.
Seria, pois, possível fazer uma destas coisas: ou analisar essas correntes e verificar de que modo elas estão presentes em Rogers, ou, proceder exactamente ao contrário, a saber, centrando-nos em Rogers, no que ele diz, no que ele pensa, ouvi-lo falar a ele – atitude esta que é, aliás, extremamente rogeriana –, e, a partir daí, referenciar o tipo de influência.
Foi esta segunda alternativa a que preferimos. E por várias razões: a primeira, aliás já indicada, é que esta atitude coincide com a própria atitude de Rogers. Quando se quer compreender alguém há que ouvi-lo falar ele próprio, escutá-lo, aceitando-o na originalidade e especificidade da sua pessoa, ou, dito de outro modo e para usar a própria terminologia rogeriana, ter em relação a ele “uma consideração positiva incondicional.” Segundo, porque é de Rogers que tratamos e, assim sendo, é nele que devemos centrar-nos. Em terceiro lugar porque este caminho nos permite esboçar e traçar as grandes linhas mestras, os conceitos chave, do pensamento rogeriano, indicando imediatamente a sua proveniência, de modo a que seja possível delinearmos uma visão geral do pensamento de Rogers, que, de outro modo, se perderia ou, pelo menos, ficaria diluída ou em segundo plano.
Acrescentamos que praticamente nos vamos limitar a referenciar apenas as influências que parecem estar presentes, não sendo nossa intenção desenvolvê-las, até porque se trata de correntes ou autores actuais e sobejamente conhecidos.
Por outro lado, se há influências no pensamento de Rogers elas são diversas e Rogers faz delas uma síntese pessoal e original. Assim, torna-se muitas vezes difícil destrinçar, ao analisar qualquer aspecto do pensamento de Rogers, qual o tipo de influência que lhe subjaz, se um tipo particular e específico de influência, ou se, pelo contrário, são diversos os tipos de influência que, ao mesmo tempo, estão presentes.
Não será, pois, de estranhar que tenhamos privilegiado ouvir as próprias palavras de Rogers, como também não serão de estranhar algumas repetições, não só porque esse é também o próprio estilo de Rogers, mas ainda porque, caso contrário, o discurso correríamos o risco de o discurso se tornar, por vezes, ininteligível.
Referência Bibliográfica:
Fonseca, M. J. M. (s.d.). Carl Rogers: uma concepção holística do homem.Da terapia centrada no cliente à pedagogia centrada no aluno.[Consulta: 30 Abr. 2011]. Politécnico de Viseu. URL: http://www.ipv.pt/millenium/Millenium36/4.pdf